domingo, 31 de março de 2013

Dia #16 - Domingo de Páscoa


Com o avançar das horas, o aeroporto ia ganhando passos, gente, e pressa. O meu dia, pelas onze horas e quarenta minutos, seguia com lentidão para um fim, que eu, por cautela e cansaço, preferia não imaginar. Entrei no restaurante exibindo uma senha azulada, esperando não ter de voltar a explicar que só estaria em casa pelas sete. O funcionário sorriu, que guardasse a senha, entregaria no final. Piove? Resolveu perguntar enquanto estacionava os olhos nos meus chinelos. Volevo tornare leggera. Disse. Mas como fiquei também a olhar para os pés, não reparei que o funcionário já se tinha afastado, estando já ao pé da mesa que eu deveria ocupar. Segui-o.

Pousei a mochila. Pousei o tripé. Pousei a máquina fotográfica - na cadeira ao meu lado. Desabei na cadeira e no domingo, mais uma vez. Demoraram quinze minutos a servir-me o primo piatto, patattini con funghi. Sorri. Dez meses antes, no domingo em que o carro se afastou, esventrando a cidade. No domingo em que percebi que o meu Eu, era afinal um eu por sua conta. Nesse domingo, num restaurante do centro da cidade, quase a fechar, tínhamo-nos servido de Padelatta di Patattini e Funghi, em família.

Enquanto desfaço as batatinhas vagarosamente na boca, o lugar à minha frente é ocupado. Uma senhora muito velha, muito magra e de chinelos nos dedos - desculpando-se com o olhar - senta-se. Sorri - mas só para dentro - ao ver os seus pés muito enrugados tão desnudos. Pensei que iria ficar incomodada de a ver comer à minha frente, disfarço o incómodo com três golos de água. Ela coloca muito devagar a carteira em cima da mesa. Resolvo esperar pelo secondo piatto. O funcionário parece distraído. Olho o copo. Não tenho mais água.

A senhora muito velha, abre com os dedos finos, magros e decididos a ignorar uma certa tremura, a carteira. Finjo distrair-me com a minha mochila.

Dez anos antes, uns dedos finos, magros, e decididos a ignorar uma certa tremura, tateavam o interior de uma carteira. O terço balouçava finalmente das suas mãos para as minhas. Naquele dia pediu para que ficasse com ela. Ajoelhadas, à luz nascente, que desenhava no quarto todas as coisas com enorme delicadeza, íamos desfiando o rosário, num silêncio vagaroso.

Os sinos dobravam alegria. Pelas ruas ouviam-se os sinais do compasso. Levantou-se. Levantei-me. Entreguei-lhe o terço, segurando-lhe as mãos, para que me visse. Descemos juntas as escadas, com o sol ziguezagueando os passos. Na sala, esperando-nos, a Amália, enchendo o espaço, e o avô no seu cadeirão.

A senhora muito velha, guardou o terço. Sem tremura. O funcionário perguntou-me se desejaria sobremesa. Que não, não chegaria para os quatro.

Pensei que não sabia se a Amália tinha morrido na televisão do avô.

1 comentário:

  1. Estou alegre por encontrar blogs como o seu, ao ler algumas coisas,
    reparei que tem aqui um bom blog, feito com carinho,
    Posso dizer que gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
    decerto que virei aqui mais vezes.
    Sou António Batalha.
    Que lhe deseja muitas felicidade e saúde em toda a sua casa.
    PS.Se desejar visite O Peregrino E Servo, e se o desejar
    siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.

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