sexta-feira, 15 de março de 2024

Rio para não chorar

Estávamos em São Paulo a visitar familiares, foi última grande viagem com os pais, eu já tinha 21 anos.

Fomos de autocarro passar dois dias ao Rio de Janeiro (eu era a única da família que nunca lá tinha estado). A aventura começou logo no autocarro. Estávamos no Brasil e, claro, não tínhamos casacos. O condutor achou por bem colocar o ar-condicionado no máximo de frio. Fizemos a viagem com a sensação de que estávamos no frigorífico de um qualquer matadouro. Seis horas e pico a simplesmente congelar... Já antevendo o suplício do regresso, lembro-me de ter feito as minhas preces para nunca mais, na vida, ter uma viagem assim.

A chegada ao Rio pela rodoviária não era a mais bela das paisagens em 1998, imagino que agora também não o seja... os meninos puxando a roupa e pedindo trocos, as casas de tijolo, sem pintura ou acabamento, com as múltiplas parabólicas gigantescas a enfeitar o telhado.

Deixamos as malas no hotel de manhã cedo (Rio Othon Palace, penso eu) e fomos de táxi fazer um tour para ver as principais atrações da cidade. Começamos pelo Cristo Redentor, subi as escadas feliz, vi a vista maravilhosa, senti-me no topo do mundo... e, após uma foto aos pés do 'senhor': desmaiei.

Acordei com algumas pessoas à minha volta, o sol a resplandecer em contraluz. Desorientada.

Quando desmaio, muitas vezes acontece uma descarga intestinal a seguir, peço desculpa pelo detalhe de merda. Fui levada a braços pelo meu irmão e minha mãe até ao 'banheiro' que ficava escadaria abaixo. As forças tinham abandonado o meu corpo e o suor era tanto que eu só pensava: "em que parte do caminho é que me tinham dado banho".

Depois de recuperar parte da alma, secado como pude o suor que me escorria pelo corpo e ainda a braços: lá chegamos ao táxi, dando o meu pai a ordem de imediato regresso ao hotel. O taxista, aborrecido por ter perdido a corrida, insistia em dar uma volta maior. Acho que ainda conseguiu passar no Maracanã, mas não estou certa se o tínhamos visto antes do Cristo. Eu cambaleava, com a cabeça abandonada no assento e uma mão a tentar acenar que não conseguia ficar ali muito tempo.

Fomos todos para o hotel, depois do taxista ter cobrado uma taxa, inventada na hora, para percursos turísticos.

Ao almoço, já me sentia recuperada, e eu e o meu irmão resolvemos experimentar a praia de Copacabana. Um bocadinho de sol e já estávamos a pensar que estava demasiado calor e tínhamos de mergulhar. Curiosamente não estava ninguém na água... saímos do mar com a sensação de que tínhamos mergulhado em óleo Johnson, o corpo reluzia e tinha gotas espessas de uma substância que em nada parecia água do mar... incrédulos, secamos o corpo e rumamos ao hotel para mergulhar na água do chuveiro.

O resto do dia foi pacato: passeio a pé e jantar num restaurante oriental japonês-chinês-coreano. Foi o meu primeiro sushi da vida.

Copacabana é lindo à noite e eu fiquei feliz por chegar ao hotel com vista para a favela sem sermos assaltados.

No dia seguinte, na última oportunidade que eu tinha para conhecer a cidade maravilhosa, chovia!

Chovia! Eu vou ao Rio de Janeiro por 2 dias e no primeiro desmaio e tomo banho de esgoto... e no segundo chove? Não podia ser. Não convencidos que a chuva fosse de muita monta, fomos em direção ao Pão de Açúcar. Tínhamos os bilhetes, mas ninguém tinha vontade de passear nos morros debaixo de chuva.

Naquela época, eu acreditava na força do meu pensamento. Olhei para os cabos do teleférico e para a chuva e pensei: "a chuva não é mais do que eu no universo, e eu sou tanto quanto a chuva, por isso, se eu estou aqui hoje, vai parar de chover." Disse à minha mãe várias vezes que não se preocupasse, que ia parar de chover, e parou. Parou de chover no momento em que o nosso teleférico chegou. Confesso que hoje, todo esse pensamento místico-crente é-me totalmente alheio, mas naquele dia pareceu-me bastante eficaz. O Pão de Açúcar é um lugar bastante especial, que bom que o visitamos. A proximidade e a abundância de macacos deixavam-me muito desconfortável, mas a vista e o verde eram reconfortantes.

Não me lembro de muito mais dessa viagem, a não ser do regresso. Como já comentei, naquela época, eu era muito crente naquilo que eu desejava. Se bem se lembram, no início deste relato, eu tinha desejado nunca mais viajar com tanto frio. E não viajei. Regressamos a São Paulo num 'ônibus' com o ar-condicionado avariado. A porta foi aberta as seis horas, e pico, que durou a viagem que se assemelhou a uma descida ao calor dos infernos.

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