sexta-feira, 22 de março de 2013

Dia #11 - O Coração


Ás dezanove e trinta de um domingo - o domingo parece acabar e já a semana parece entrar-nos pelas paredes em (contra) tempo. Percebi que o domingo em família, após dez meses de espera, não seria aquele. Ouvi a avó enquanto me fechava a mão, e ao seu segredo, de novo me segredando: para que me voltes.

Aceitei a alternativa, o certo é que eu não sabia se podia não aceitar. O painel dos voos piscava a partida do avião que nunca apanhei, uma luz quadrada, cinza, acendendo e apagando, e a senhora magra, de galochas e guarda-chuva aberto, sentada no meu lugar, por cima da asa. Que fosse a um segundo balcão, continuou o senhor - parecia apressado - lá me reembolsariam do voo que perdi. Reembolso? Mas não fui eu que cheguei tarde? (Pensei, mas não disse.) E a bagagem? Em Madrid (digo)? Que não me preocupasse mais, seguiria para o Porto. Olhei para a minha imensa mala, e tive a impressão que os nossos caminhos não seriam convergentes. Um outro pensamento consumiu-me o estômago, e sem que o pudesse entender, já o ouvia: Tenho fome. O homem ficou um pouco embaraçado, eu também ficaria, mas estava já demasiado ocupada em tentar perceber quantas bolachas havia na mochila. Ele levantou um pouco a voz. Claro que me ofereceriam também o almoço. Almoço? A minha fome fez contas de cabeça tentando perceber a que horas poderia eu almoçar. Eram nove e vinte e cinco da manhã. Enquanto cruzava, sentindo-me inesperadamente leve, o aeroporto procurando o balcão onde supostamente me reembolsariam, piscava sobre mim a luz do voo que estava a partir, não me levando para o meu destino, onde deveria chegar pelas dez horas e vinte minutos da manhã.

Passariam precisamente cinco anos e cinco dias, pelas dez e vinte da manhã, a médica apontava para o ecrã, vê? Este quadradinho a piscar? Eu via o aeroporto inteiro à volta daquele quadradinho. É o coração. Coração? E batia.

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