quarta-feira, 27 de março de 2013

Dia #13 - Dia Mundial do Teatro

O homem de barba mal aparada tomava o café, ruidosa e lentamente. No chão, a seus pés, o cão (nessa altura ainda nos cafés se viam muitos cães com os donos) lambia um papelinho amarelo, saboreando, talvez, a informação, ou a lentidão com que o tempo se arrastava. O homem lia um jornal que eu, na minha ociosa pausa após o almoço, cobiçaria por largos minutos. Chovia. Peguei num pequeno bloco preto, e tentei desenhar o cão com o seu papel amarelo. Depois de me ter apanhado a olhar, insistentemente, na sua direção, umas quantas vezes. O homem, ainda antes de dar ordem ao cão para que saíssem, estendeu-me o jornal. Quer? Olhei em volta. Sim, queria. Ao aproximar-se viu o desenho do seu cão. Está giro. Sorri, mas não disse nada, o desenho ficou por acabar, e nem se parecia muito um cão, também não consegui desenhar o papel amarelo que ele lambia. O homem coxeava um pouco, e falava para o cão enquanto saíam. Estamos velhos Ezequiel. Estamos velhos. Na altura devia ter ficado a pensar quem é que no seu juízo dá Ezequiel como nome a um cão, mas não fiquei. Pareceu-me bastante natural que escolhesse aquele nome, como seria natural que escolhesse qualquer outro. Era seu.

Folheei o jornal, sem ler praticamente nada. Fiquei com uma grande vontade de apanhar o papel amarelo do chão e saber o que tinha escrito, mas não apanhei. As notícias eram todas da semana anterior. Na última página publicitavam um curso de teatro, intensivo. Começava dali a uma semana, no dia seguinte.  Peguei de novo no pequeno bloco e tirei as indicações, sem saber se haveria tempo. Sem saber, o homem velho, de barba mal aparada, tinha respondido a mais ou menos meio milhão de perguntas que há dias eu teimava em não conseguir responder-me.

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