quinta-feira, 21 de março de 2013

Dia #10 - Eu

Dez anos antes, o conceito de solidão era diferente, a multidão citadina e apressada, desse lugar geralmente esvaziado de memórias, comprimia-me, para o balcão do check-in.


A menina continuava sorridente, mas não pude deixar de reparar que os olhos dela saltitavam, desde mim até à imensidão de gente que se acumulava atrás das minhas costas, que deveria dirigir-me a um outro balcão, tratariam dos pormenores. Pormenores? Tentaremos colocá-la num outro voo. Outro? Não sabemos se conseguiremos algum voo direto. Não? Coloco as mãos nos bolsos vazios, já plantada com as malas - e com a cabeça florescendo preocupações, no balcão onde tratariam dos pormenores.


Eu precisava de uma explicação, estenderam-me umas etiquetas que deveria colocar na bagagem. Pediram-me a bagagem, passei a custo a mala. O resto viajaria comigo, a máquina fotográfica, o tripé da mesma, a minha mochila (até hoje não me recordo o que levava na mochila a não ser as bolachas) e os meus chinelos nos dedos dos pés. Roupa também, a minha. O senhor falava depressa e, sem hesitar um segundo, perguntou-me se aceitaria viajar para Madrid, pelas treze e trinta. Faria uma escala de quatro horas e seguiria para o Porto, com chegada prevista para às dezanove e trinta locais.





O dia era, afinal, o mais próximo que eu iria conhecer do conceito de infinito. A avó segredava-me: para que me voltes. E era domingo.


Dez meses antes, também num domingo, cinco dias depois da Amália me morrer por escrito, no painél de informações, em letras vermelhas, o carro afastar-se-ia da cidade. Num grito imenso. A cidade crescia-me pelos dedos. Numa mão, o mapa da cidade, ainda desconhecida. Na outra mão, o mapa das linhas do metro. Nos olhos, o carro, afastando-se, dando-me a consciência de um Eu até então desconhecido.

Entranho-me nas linhas do metropolitano, e acampo a minha angústia no único local em que o meu gigantesco silêncio não seria questionado. Sentei-me na catedral, imóvel, em silêncio, encarando aquele Eu até agora desconhecido, até que a noite me vencesse, e as portas fechassem.

Ci sono le sette, la signorina deve uscire. Si, si! Fugi aos olhos piedosos do sacristão, e aos passos, subitamente ruidosos, dos turistas. Cruzei a porta.



Eu.

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